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Renard Aron

Direito ao voto na agenda do CEO

Nas redes, boicote e pressão para que empresas usem seu capital político para barrar medidas que possam impactar o acesso ao voto de minorias e comunidades negras

O direito ao voto é o novo tema social a bater na porta dos CEOs das grandes empresas norte americanas. No Brasil, a campanha do Burger King contra o voto em branco e nulo veio antes do seu tempo. Faltavam alguns dias para as eleições presidenciais de 2018, quando a cadeia de fast food lançou sua campanha na TV e nas redes sociais. Pedestres que passavam na frente de uma loja da rede tinham a opção de marcar numa urna como votariam. Caso indicassem que pretendiam votar nulo ou em branco eles recebiam um hamburger com maionese e cebola. Um dos participantes então lê em voz alta os dizeres no papel de embrulho: “Este é o Whopper em branco, um sanduíche com ingredientes escolhidos por outra pessoa. Quando alguém escolhe no seu lugar, não dá pra reclamar do resultado.” A campanha deu muito o que falar, mas nada comparado ao que está acontecendo hoje nos EUA.


Nos EUA, o pivô são duas empresas: a Delta e a Coca Cola, ambas sediadas no estado da Georgia. O tema é o mesmo: direito ao voto, mas com contornos bem distintos. A Delta e a Coca Cola foram as primeiras a serem catapultadas para o centro de um debate nacional, que começou com a decisão da Assembléia Legislativa da Georgia — controlada por republicanos — de aprovar uma lei que, dependendo do ponto de vista, impacta o acesso ao voto de minorias e populações negras ou evita a fraude. A lei, resultado da narrativa do ex Presidente Trump de que as eleições presidenciais foram roubadas, traz novas exigências para o voto via correio (o assim chamado absentee ballot), reduz o número de urnas eleitorais (as drop off boxes), aumenta o controle da legislatura sobre a junta eleitoral estadual e criminaliza a distribuição de água e comida para pessoas esperando na fila para votar, dentre outras medidas.


Nas semanas que antecederam a votação na Georgia, a sociedade civil organizada pediu para que empresas como a Delta se posicionassem contra o então projeto de lei. Mas o CEO da Delta não se manifestou. Quando a lei foi aprovada, ela ganhou as manchetes dos principais jornais do país, e da noite para o dia, a notícia estava trending nas redes sociais. No Twitter, perguntava-se porque a Delta, a Coca Cola, o Home Depot, dentre outras empresas sediadas no estado, não haviam usado seu poder político e econômico para fazer lobby e barrar a aprovação da lei. Será que as empresas não se importavam com o direito ao voto?


No Twitter começaram a circular posts pedindo para boicotar a Delta e a Coca Cola (#boycottDelta e #boycottCocaCola). Um dos tweets dizia: “Acho que vou ter Rum e Pepsi – Eu sei, não parece certo, mas também não é certo a relutância da @CocaCola em não usar sua força política após de ter dito que apoia “uma abordagem equilibrada para as eleições”.


Não demorou muito e alguém vazou um memorando interno da Delta que falava como o time de lobby estadual havia atuado para “melhorar” o então projeto de lei. Por exemplo, o texto original incluia uma provisão que teria impedido que as eleições ocorressem no domingo, dia em que igrejas negras* tradicionalmente organizam caravanas para que seus frequentadores possam votar. Mesmo que a empresa tenha atuado para “melhorar” o PL, faltou transparência e compromisso público. E como a opinião de muitos é a de que a lei fere o direito ao voto, ficou parecendo que a Delta estava de acordo com o projeto final e alinhada ao governador, também republicano. O memorando não pegou bem e o CEO da Delta viu-se obrigado a publicamente afirmar que era contrário a Lei. Mas ai já era tarde; lei é lei e só deixa de ser lei se for revogada.

O posicionamento tardio criou um duplo problema para a Delta. Por terem se manifestado contrários a Lei, o cidadão conservador também passou a apoiar um boicote. Um tweet dizia: “Aqui vamos nós, corporações que querem ditar para você o que a política e as leis eleitorias devem ser. Não é da conta deles.”

Rapidamente o foco se deslocou para o Texas, onde a Assembléia Estadual está considerando uma lei similar a da Geórgia. Tendo aprendido com a Delta, a American Airlines e a Dell Technologies, ambas sediadas no estado, já se manifestaram publicamente contra o projeto de lei.


Outras iniciativas foram aparecendo. Vários executivos negros proeminentes, dentre eles o CEO da Merck e ex CEO da American Express, assinaram uma carta conjunta pedindo para que seus pares se posicionem e utilizem sua força política para intervir contra os vários projetos de lei estaduais que tratam do mesmo tema, mais de 100 CEOs de empresas (dentre elas Levis, Merck, Walmart e United) organizaram uma reunião via Zoom para discutir a questão e outras (incluindo Google, Starbucks, GM e Amazon) assinaram uma carta aberta publicada no New York Times condenando ações que possam restringir o acesso ao voto. A carta, entitulada Defendemos a Democracia, diz: “Todos devemos nós sentir responsáveis pela defesa ao direito ao voto e opor qualquer medida legislativa discriminatória que restringe ou impede o eleitor de ter a mesma oportunidade de votar.”


Está difícil ficar em cima do muro ou esperar para se posicionar. Além do mais, existe uma pressão crescente para que empresas atuem de forma concreta e transparente via ações econômicas (redirecionamento de investimento de um estado para outro) e lobby. Só que ao assumirem valores alinhados a uma agenda liberal, as empresas estão andando em terreno perigoso. Não faltam ameaças de retaliação por parte dos republicanos, inclusive pelo Presidente do Senado. Neste novo ambiente, o Burger King Brasil saiu-se bem, mas a Delta escorregou.


*O termo se refere as congregações e denominações cristãs nos EUA que ministram predominantemente para afro americanos. Fonte: wikipedia

Este artigo foi publicado primeiramente no Jota.

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