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O Capitalismo de Stakeholders e os Critérios ESG: o contra ataque

Nas redes sociais e fora delas vêm ganhando espaço uma velha ideia, refletida nos hashtags #QuemLacraNãoLucra (no Brasil) e #GoWokeGoBroke (nos EUA). A ideia é de Milton Friedman, lançada num artigo de 1970, de que a principal responsabilidade de uma empresa é a satisfação dos seus acionistas. As hashtags, no entanto, dão uma roupagem nova à doutrina: a de que as empresas devem ficar longe do capitalismo de stakeholders e da onda ESG (critérios de sustentabilidade que mensuraram riscos sociais, ambientais e de governança interna). Isto é, empresas deveriam concentrar suas energias no seu negócio (para maximizar o retorno aos seus acionistas) e não se posicionar sobre temas sociais, como a equidade racial, direitos da comunidade LGBTQIA+ e o meio ambiente.


Entre as empresas mais criticadas está o Magazine Luiza. Um túite da Clara Fernnandez (que se autodefine cristã, conservadora, de direita e bolsonarista e com 75 mil seguidores) deixa claro esta lógica de causa e efeito: "Magazine Luiza tem queda vertiginosa das ações e as perdas já atingem 75%. Você ainda compra no Magalu?" É o quem lacra não lucra em números, mesmo que analistas, ao discutir a queda do preço das ações da Magalu, mencionam a competição, o fim da pandemia, a durabilidade dos bens de consumo, a inflação, a alta dos juros, entre outros fatores, mas não a lacração.


Neste contexto, está cada vez mais difícil para as empresas navegarem o mundo do ativismo corporativo. Dois casos recentes -- Disney, nos EUA, e Itaú, no Brasil -- resumem bem esta realidade, e não deixam dúvida: cada empresa terá que trilhar o seu caminho -- por convicção ou força do acaso -- e estar preparada para atuar num mundo bipolar em que é praticamente impossível satisfazer as vontades de segmentos da sociedade com valores e visões de mundo diametralmente opostos. E para deixar claro: a neutralidade também é um posicionamento que incorpora riscos.

Começando pela Disney. A Assembléia Estadual da Flórida, que é controlada por Republicanos, estava considerando um projeto de lei que proibiria professores de discutir identidade de gênero e orientação sexual em sala de aula do jardim de infância até a terceira série, condicionando discussões em séries mais avançadas a uma conversa apropriada à idade, sem definir o que exatamente seria apropriado. A comunidade LGBTQIA+ entendeu o PL como uma medida puramente discriminatória, apelidando o PL de "Don't Say Gay". A Disney, com seu enorme parque em Orlando e empregando em torno de 70.000 pessoas na Flórida, se esforçou ao máximo para ficar de fora desta discussão. Conseguiu o feito até depois do projeto ter sido aprovado pela legislatura, mas aí a pressão interna dos funcionários havia chegado num ponto em que o CEO sentiu-se obrigado a dar uma satisfação. De forma incremental, acabou revertendo sua posição de aparente neutralidade, posicionando-se publicamente contra a lei. Mas aí já era tarde. Funcionários (entre eles Dana Terrace) já haviam ido às redes sociais para criticar a empresa enquanto outros postavam seu descontentamento com o posicionamento tardio da Disney, qualificando-o como nada mais do que um primeiro passo.


Do outro lado, e infeliz com este novo posicionamento do CEO da Disney, estava o governador da Flórida. Sem pestanejar, chamou uma sessão extraordinária da Assémbleia Estadual para rever o status especial da Disney, que a permitia expandir suas operações sem ter que passar por um longo processo de aprovação regulatória, dentre outras vantagens. A Assembléia aprovou a medida em tempo recorde e o governador não deixou dúvidas no ar: era retaliação mesmo e um alerta para que outras empresas deixassem os temas sociais de fora da agenda corporativa.


Mas não é somente o ativismo corporativo que está na mira dos conservadores norte americanos, mas também os critérios ESG. Para eles "stakeholder capitalism" virou "woke capitalism" (originalmente "woke" indicava alguém atento às questões sociais, no entanto aqueles mais à direita do espectro político dão ao termo uma conotação negativa). Alguns estados controlados por Republicanos estão retaliando contra fundos de pensão e de investimento, como a BlackRock, pois ao adotarem critérios ESG que consideram mudanças climáticas como um risco financeiro, incentivam a venda de ativos em empresas de energia fóssil, que têm papel econômico importante em vários estados dos EUA, como West Virginia e Texas. É o estado materializando o #GoWokeGoBroke.


No Brasil, por outro lado, o Itaú se deparou com uma situação diferente. Uma organização não identificada circulou nas redes sociais um vídeo plagiando uma campanha de sustentabilidade do Itaú. No começo, você é levado a crer que aquela é uma campanha corporativa enaltecendo as ações de sustentabilidade do banco. Mas logo as mensagens mudam, e após alguns segundos de perplexidade, você se dá conta de que o vídeo é uma crítica a falta de ação do banco frente aos PLs tramitando no Congresso que impactam negativamente o meio ambiente. Esta é uma crítica comum daqueles que acreditam que a responsabilidade social das empresas vai além das ações tradicionais de sustentabilidade e que estas devem usar sua força política e econômica para influenciar políticas públicas em linha com seus valores. O oposto do que advoga a direita.


Claramente, duas visões de mundo que não convergem. Uma quer que as empresas voltem aos tempos de Milton Friedman e foquem exclusivamente no bottom line em que stakeholder relevante só é o acionista. A outra, entende que a licença para operar no século 21 passa por mais stakeholders e maiores responsabilidades sociais. Entre os dois pólos, o(a) CEO e sua empresa, que por serem percebidas como organizações apolíticas e competentes, passaram a ser a instituição na qual segmento da sociedade deposita sua confiança com a expectativa de que tenha a capacidade de resolver problemas sociais.

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