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Pobreza Menstrual - Sociedade se mobiliza para derrubar veto presidencial

Da Escócia à Califórnia à cidade do Rio de Janeiro, todos, de uma forma ou outra, distribuem gratuitamente absorventes higiênicos para estudantes de baixa renda em escolas e universidades públicas. É uma reação do poder público -- de cidades à países -- à uma situação que não vem de hoje: a pobreza menstrual, nome que é dado à falta de acesso de meninas, mulheres e homens trans a produtos como absorventes higiênicos e instalações adequadas para cuidar de sua higiene menstrual.


O Brasil seguia na mesma direção de países como a Escócia, pioneira na distribuição gratuita de absorventes higiênicos a nível nacional. Uma forte mobilização da sociedade no começo de 2021 levou o Câmara a aprovar em agosto o projeto de lei 4968/19 de autoria da Deputada Marília Arraes (PT/PE) que previa a distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda em escolas e universidades públicas, mulheres em situação de rua ou vulnerabilidade extrema, além de presidiárias. Motivos para a aprovação não faltavam.


Estudo realizado pela ONG Girls Up Brasil (uma Fundação das Nações Unidas) mostrou que mulheres entre os 5% mais pobres do Brasil precisam trabalhar até 4 anos para pagar pelos absorventes que usarão ao longo de sua vida; que meninas perdem até 5 dias de aula por mês devido à menstruação e que mulheres nas prisões rotineiramente utilizam miolo de pão, além de jornal e algodão, como substituto ao absorvente, incorrendo riscos de infecção. De acordo com uma pesquisa de setembro 2021 realizada pela marca Sempre Livre (da empresa Johnson & Johnson) em parceria com os Institutos Kura e Mosaiclab, 28% das mulheres afetadas pela pobreza menstrual tiveram infecção urinária, 24% candidíase e 11% infecção vaginal por fungo (num período de 12 meses). A maioria no Congresso se sensibilizou com os impactos da pobreza menstrual na saúde, educação e inclusão, e o PL foi aprovado no Senado em outubro de 2021, dois meses após a aprovação na Câmara.


Mesmo assim, o Presidente Bolsonaro vetou os principais artigos do PL, inclusive a distribuição gratuita dos absorventes higiênicos. A argumentação incluiu desde a ausência de uma fonte de recursos (os defensores do PL argumentam que o texto explicita a utilização de dotações orçamentárias disponibilizadas pela União ao Sistema Único de Saúde) até o argumento leviano de que a distribuição não atende ao princípio da universalidade do SUS!


Criou-se assim um embate entre o Presidente e amplo setor da sociedade tendo como palco as redes sociais. Por exemplo, a Deputada Tabata Amaral (PSB/SP), uma das grandes defensoras da distribuição gratuita de absorventes higiênicos e que apresentou um projeto de lei sobre o tema no início de 2020, foi alvo da ira dos defensores do presidente. Um meme compartilhado por mais de 30 mil vez no Facebook acusou a deputada de receber apoio financeiro do empresário Jorge Lemann. Abaixo de fotos de ambos vinha a pergunta: "Você sabia? O empresário Lemann apoiador da deputada Tabata Amaral que criou o projeto dos absorventes é um dos donos das 2 fábricas de absorventes no Brasil? Pois é … ela está preocupada mesmo com as mulheres pobres, né não???" Aos Fatos, que integra o Third-Party Fact-Checking Partners, o programa de verificação de fatos do Facebook, determinou que a informação era falsa.


À frente da campanha pela aprovação do PL e agora pela derrubada do veto presidencial estão as ONGs Girl Up Brasil e NOSSAS. No início, o foco foi estadual, tanto que hoje vários estados brasileiros já contam com uma lei ou projeto de lei para assegurar o acesso gratuito ao absorvente feminino para aqueles em situação de vulnerabilidade social ou econômica. A primeira cidade a ter uma lei foi o Rio de Janeiro em 2019, seguido por São José em Santa Catarina. Depois vieram os estados da Bahia, Pernambuco e Maranhão, todos em 2021 (fonte: Estado de Minas). Daí foi um pulo para a questão chegar com força ao Congresso Nacional com as campanhas #LivreParaMenstruar e #DignidadeMenstrual. De acordo com o jornal O Globo, as duas hashtags acumulavam mais de 20 mil tuítes no dia do veto presidencial, chegando a estar entre os cinco temas mais comentados no Twitter.


A Netflix também ajudou. Seu documentário de curta metragem indiano "Period. End of Sentence" ou "Absorvendo o Tabu", recebeu o oscar de melhor documentário de curta metragem em 2019, dando maior visibilidade ao tema. O documentário conta a história de um grupo de mulheres num vilarejo perto de Nova Delhi que utilizam uma pequena máquina para produzir absorventes femininos de baixo custo para então vendê-los à comunidade local. Os desafios e tabus enfrentados pelo grupo são os mesmos de tantas meninas e mulheres pelo mundo, seja na India, nos EUA, Nova Zelândia ou Brasil. O tema é universal. Tanto que quando o Presidente Bolsonaro vetou o PL 4968/19 o fato repercutiu em alguns jornais internacionais, como The Guardian, The Washington Post e France 24.


Desde o veto presidencial, a Câmara já agendou duas sessões para apreciar 29 vetos presidenciais sobre os mais diversos temas. Mesmo havendo acordo pela derrubada do veto ao PL 4968/19, os líderes partidários não chegaram a um consenso sobre este e outros vetos e uma terceira sessão ficou para fevereiro. Veja aqui pronunciamento da Deputada Tabata Amaral.


Enquanto isso a sociedade continua se mobilizando. A empresa brasileira de calcinhas e biquinis absorventes Herself -- que se auto define como um negócio de impacto -- idealizou um movimento com uma rede de coletivos e ONGs; uma petição na Change.org já conta com quase 50 mil assinaturas e a campanha do NOSSAS Cadê meu Absorvente oferece contra argumentos à cada uma das razões elencadas para o veto presidencial, além de disponibilizar um ofício assinado por dezenas de organizações que questiona a propriedade jurídica do veto presidencial. E aos hashtags anteriores se juntou uma nova: #DerrubaVeto59. É dele que 26% das meninas brasileiras entre 15 e 17 anos e tantas outras dependem para ter acesso a produtos adequados de higiene durante o período menstrual.

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